"Tem jogador aí que quando cheguei ao Paysandu deveria ser recém-nascido." Aos 37 anos, o fôlego do atacante Zé Augusto pode até não ser o mesmo de outrora, mas o bom humor continua intacto. No entanto, essa característica ficou arranhada na quarta-feira. O Terçado Voador viu pela imprensa a declaração do assessor de futebol Antônio Cláudio "Louro" de seria dispensado do clube que defende há 16 anos. "O Zé Augusto não faz mais parte dos planos do Paysandu como jogador. Se ele quiser, poderá ficar no clube em outra função, porque é um cara que gosta do clube e tem muito a oferecer", disse "Louro" em reportagem do Portal ORM.
"Às vezes o Louro vai à imprensa e diz coisas que nem ele mesmo sabe", comentou o veterano atacante, ainda com uma ponta de mágoa. Menos mal que no dia seguinte o presidente Luiz Omar Pinheiro mudou o rumo da prosa e garantiu a renovação de contrato por mais seis meses.
O Zé da Fiel sabe que a hora de parar está muito próxima, mas a quer em campo, em uma partida oficial. O Parazão será a derradeira competição com a camisa bicolor, numa história que começou há 16 anos, teve altos e baixos, mas deixará um saldo superavitário. Afinal, o Terçado esteve presente no melhor Paysandu de sua quase centenária história, com as conquistas da inédita Copa Norte entre clubes paraenses, a Série B, a Copa dos Campeões e a participação na Libertadores da América.
"Parece que fui feito pra defender Paysandu", costuma dizer, o sintetiza muito bem o papel que exerce junto ao futebol paraense. O que representa para o Papão extrapola as quatro linhas. O maranhense José Augusto da Conceição tem ao longo da carreira lances e gols que salvaram em muitas vezes o Papão de aperreios, mas também chances de gols incrivelmente perdidas.
Além dos aspectos técnicos, o Zé da Fiel tem algo que todo treinador sonha em encontrar num jogador: profissionalismo. Se habilidade não faz parte da lista de maiores características, entrega, determinação e raça estão grudadas na pele como uma tatuagem.
"Acho que a humildade, o respeito pelas pessoas, trabalhar bastante, esse é meu diferencial (...) O respeito pelas pessoas é muito importante e é isso que a gente pede. Já vi muitos jogadores que eram promessas e por faltam, talvez, de uma base familiar não deram certo", conta. Entra técnico, sai técnico, todos utilizaram de seus serviços, sem distinção. Só o tempo parece capaz de segurá-lo.
No começo da semana o assessor de futebol Antônio Cláudio "Louro" anunciou que você estava fora dos planos para 2012. No dia seguinte o presidente Luiz Omar Pinheiro afirmou que não era assim, que o contrato vai ser renovado para o Campeonato Paraense. Como você se sentiu com aquela primeira notícia?
Pela pessoa que falou não me surpreendeu, não. Às vezes o Louro vai à imprensa e diz coisas que nem ele mesmo sabe. Mas a gente sabe que tem o respeito do presidente, do torcedor. Fiquei chateado na hora porque tenho uma história no Paysandu e não seria o Louro ou qualquer outra pessoa que deveria falar isso na imprensa. Primeiramente deveria ter me procurado, conversado, saber o que pensava disso, e aí sim se pronunciado. Felizmente está tudo esclarecido, conversei com o presidente sobre minha permanência, faltando apenas acertar detalhes, estou tranquilo.
Você comentou durante a Série C que não aguenta mais 90 minutos de partida. Como encara essa situação, já que o vigor físico sempre foi uma das suas principais características?
Para mim é difícil. Fisicamente ainda aguento os treinos, aguento correr. Lógico que não da mesma forma de três, quatro anos atrás, mas tenho certeza que poderia render se tivesse tido mais oportunidade. Eu fico triste porque quando o torcedor confia no atleta procura pedir por ele, e infelizmente nesse ano não tive as chances de desenvolver o que fazia anos atrás. Com 37 anos ficar sem jogar é complicado. Com 25 ficar de fora já te prejudica quanto ao ritmo, imagina eu com minha idade? Mas tenho certeza que sempre cumpri muito bem minha função, mesmo que não estivesse em campo. Nunca deixei de passar coisas positivas ao grupo. Se for para assinar mais seis meses de contrato vou continuar dando do meu melhor para ajudar o Paysandu a voltar a vencer.
Todo começo de temporada a garotada ganha espaço nos clubes paraenses. Como é esse trabalho com os mais jovens e como são as conversas com eles?
Tem jogador aí que quando cheguei ao Paysandu deveria ser recém-nascido. A gente tenta receber da melhor forma possível. Eu me vejo quando cheguei aqui há 16 anos, sem formação alguma, vindo do interior tentar a sorte. Esses garotos vêm da base, algo que infelizmente não tive, e quando os vejo tento acolher da melhor forma possível. A chegada deles a gente pode ter esperança que apareçam jogadores que vão dar o melhor pelo Paysandu. Procuro sempre conversar com eles, passar algumas das coisas que passei para que possam ter uma carreira no Paysandu, tem muitos que chegam e metem os pés pelas mãos e não conseguem ter uma carreira, eu torço sempre por eles porque têm qualidade.
Com tantos anos de clube você já viu muitos bons jogadores chegarem à Curuzu como promessas e não darem certo. Você sempre diz que não teve base e veio só a Belém para tentar a vida. Mesmo quando começou a aparecer sempre manteve uma postura profissional, o que rendeu elogios de todos os treinadores. Qual foi seu diferencial?
Acho que a humildade, o respeito pelas pessoas, trabalhar bastante. Mesmo vindo do interior, sem conhecer nada e sem ter base, tive uma base familiar muito boa. Desde criança minha mãe sempre tentou me educar da melhor forma possível. O respeito pelas pessoas é muito importante e é isso que a gente pede. Já vi muitos jogadores que eram promessas e por faltam, talvez, de uma base familiar não deram certo. Muitos atletas fazem um gol em amistoso e acham que são um Messi da vida. Exemplos não faltam e não vou citar nomes. Exemplos recentes de gente que foi bem num campeonato e não conseguiu se manter. Pedimos a esses jogadores que se dediquem e trabalhem firme. Que não se deslumbrem com os primeiros elogios. Isso é importante em qualquer profissão. Ser humilde e respeitar, mas sem ser besta.
O Campeonato Paraense deve ser sua última competição oficial e você chegou a comentar que seria interessante que o jogo final fosse um clássico Re x Pa...
Re x Pa sempre é inesquecível. Tive mais alegrias que tristezas no clássico Rei da Amazônia. Agora, não sei se vou encerrar a carreira num Re x Pa, quero apenas que seja com uma festa e que a feche esse ciclo da melhor forma possível.
E o que fazer depois de pendurar as chuteiras?
Tenho vários pensamentos. Ano passado concorri a deputado e não fui eleito. Tenho vontade de também de ajudar o Paysandu fora de campo. Conheço bastante o clube e sei algumas coisas que precisam ser feitas para melhorar o Paysandu, quem vive há tanto tempo dentro desse meio acaba descobrindo umas coisas que fazem muito bem a uma equipe que se quer vitoriosa. Pretendo também ano que vem me candidatar a vereador. Tenho projetos para ajudar a tirar crianças das ruas. Assim coloco algumas coisas em seu tempo certo e tenho certeza que elas vão correr bem para mim.
Nesses anos todos de Curuzu, é difícil responder quem foi o melhor companheiro de ataque?
Não é uma resposta difícil, não. Joguei com muitos atacantes, mas alguns marcaram. O primeiro foi o Vandick, com certeza. Outro foi o Balão. Dois que foram muito importantes na minha carreira e com quem tive muito sucesso. Em alguns momentos essas duas duplas foram muito importantes ao Paysandu.
E com tanta gente saindo e chegando durante os anos, deu para fazer uma amizade duradoura com algum jogador?
Amigo mesmo, só o Balão. A gente conversa direto. Tenho amizade com o Vandick, mas não é de um frequentar a casa um do outro. Com o Balão é diferente, eu vou a São Francisco do Pará na casa dele, ele vem aqui. Agora ele está um pouco mais afastado e é complicado tirar ele de lá. Ele está jogando num time de Salinas, mas a gente sempre se fala. Tenho certeza que ele também tem uma consideração grande por mim.
E o técnico mais importante?
O Givanildo para mim foi muito importante. Além dele o Válter Lima também me deu uma força muito grande. Em 2000 teve uma renovação na Curuzu e fui emprestado ao São Raimundo. Lá o Valtinho me deu muita moral. Para poder voltar tive que fazer um bom trabalho lá. O Givanildo me chamou de volta, me acolheu e me deu muita atenção. Aqui, melhorei bastante e só tive alegria de lá para cá.
Você teve três breves saídas do Paysandu para Tuna Luso, São Raimundo e Estrela Amadora (Portugal). Qual delas a mais importante?
A do São Raimundo foi a saída mais importante. Tínhamos um excelente time, com, jogadores como Davi, Cléber, Mário Bocão, Nenê Santarém, Márcio Parintins, entre outros. Foi a hora em que refleti na minha carreira. Vi que outros jogadores de qualidade foram para times pequenos e não voltaram. Se não fizesse um bom papel iria dali para um Santa Rosa, um Sport Belém, por isso me dediquei ao máximo para poder voltar a ter chances no Paysandu.
Todo final de ano ano é feita uma festa na Curuzu com ídolos do passado. Dá para imaginar como será lembrado daqui a 20, 30 anos?
Eu participo dessas festas. Agora parece que vem o Dadinho, de quem falam muito. O pessoal campeão de 1991 vai encontrar o de 2001. Quando encontro esses jogadores procuro escutar eles e fico imaginando como será comigo. Daqui a um tempo talvez meu nome também seja lembrado com boas palavras, eu sempre procurei fazer o bem e espero colher isso. Tomara que falem que fiz história no Paysandu e estive em grandes momentos do clube.
Você fez parte do melhor Paysandu de todos os tempos, o das maiores conquistas. Acredita que um dia vai ver isso se repetir?
Torço para que isso aconteça. Nesses 90 e poucos anos de Paysandu já ouvi de grandes jogadores, mas não com tantos títulos importantes como nesses anos. Torço para que volte essa fase, mesmo sabendo que é muito difícil. O nível do futebol é outro. Quando se participa de primeira divisão, de Libertadores, joga de igual para igual, vence times grandes com os melhores jogadores, isso marca muito e é coisa de time grande. É muito difícil, mas não impossível.
Amazônia Jornal
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